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DIÁSPORAS: SÍRIA

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Foto do site The Rythim Foundation (https://www.rhythmfoundation.com/photos/alkindi04)

Nosso último ponto diaspórico de investigação é a Síria, país que faz parte do chamado “mundo árabe” e que possui uma ligação histórica com os movimentos migratórios no Brasil.

 

Nos últimos anos, a Síria e seu povo têm, infelizmente, sido o centro de atenções e parte central da mais recente crise migratória mundial, fruto, dentre outros aspectos, da retomada de guerras de cunho neocolonialista. É importante ressaltar que a Síria e seus povos, assim como todos os outros países/povos aqui investigados, possuem uma história complexa e vasta, que não pode ser esquecida ou colocada em segundo plano. Sobre as disputas que ocorreram dentro do território Síria ao longa da história, Dib (2009) comenta: “A região conhecida hoje por Síria teve, ao longo de sua história, diversas configurações espaciais. Sendo um local estratégico, de importância política, econômica, religiosa e cultural, despertou o interesse de vários outros povos, tendo sido palco de disputas territoriais” (p.13).

 

Começamos nossa breve reflexão acerca da história da Síria e de seus povos apontando para a influência histórica e cultural  do Império Otomano na região. Brasil (2017) aponta que: 

O domínio do Império Otomano sobre o território da Síria estendeu-se durante quatro séculos, tendo início no ano de 1.516 e sua derrocada logo após o fim a Primeira Guerra Mundial, em 1918. Até o século XIX, os europeus denominavam de Oriente todas as terras que compunham o Império Otomano. [...] O conceito de Oriente Médio foi introduzido pelos ingleses, logo no princípio do século XX, e abrangia a região do Mar Vermelho até o Império Britânico das índias, após a queda do Império Otomano, a denominação Oriente Médio foi estendida a todos os países árabes. (BRASIL, 2017, p.9)


 

A centralidade da influência do Império Otomano no território da Síria, somada às disputas e configurações diversas mencionadas por Dib, se reflete na diversidade dentro de aspectos culturais como a língua e a religião. Sobre a miríade de línguas faladas no território Sírio, Dib (2009) afirma que “ao lado da língua árabe, também são faladas as línguas dos curdos, turcos, armênios, turcomenos, circassianos, arameus e hebreus, além de dialetos variados. Mas todos procuram se comunicar em árabe, especialmente em espaços coletivos” (p.13). Sobre a pluralidade religiosa, Dib comenta que a maioria da população pertence ao grupo sunita do Islã, mas há também grupos xiitas, ismaelitas, aluítas, e drusos, além de uma grande e também multifacetada comunidade católica (p.13). 

 

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Síria se viu envolta nas disputas imperialistas características das disputas político-econômicas do século XX. A França, uma das potências imperialistas do período, passa a controlar o território sírio, o que levaria ao impulso dos fluxos migratórios no país conforme a repressão colonial se intensificava e também a um processo de independência que só seria conquistada em 1946. Sobre tal processo, Brasil comenta:

 

A luta pela independência da França gerou na Síria grandes conflitos, que foram violentamente respondidos com bombas pelas tropas francesas. Foi somente a partir da Segunda Guerra Mundial que o movimento nacionalista da Síria conseguiu tomar o poder, e expulsar os franceses de seu território, mais precisamente na data de 17 de abril de 1946. (BRASIL, 2017, p.10)

 


E sobre a primeira onda de imigração da população Síria, tanto no período Otamano, quanto no período de ocupação francesa:

 

Entre 1850 a 1930, uma grande quantidade de sírios, em sua maioria cristãos, emigrou de seu país de origem em busca de oportunidades melhores em outros territórios. Com predominante característica urbana, a emigração síria formou importantes colônias nas grandes cidades, assim como também era possível encontrar grupos pequenos nas cidades menores. Knowlton (1961) define como itens motivadores da emigração síria desta época os seguintes fatores: político-religiosos, econômicos e mistos. Segundo o autor, os fatores políticos e religiosos na época em questão estavam intimamente ligados, sendo difícil a realização de uma análise separada (BRASIL, 2017, p.11)

 

 

Conquistada a independência, as ebulições e tensões geopolíticas e econômicas continuaram marcando a história do país, com uma aproximação política com o Egito e os movimentos políticos do Nasserismo, do Pan-Arabismo e as disputas entre blocos socialistas e capitalistas da guerra fria. A Síria, durante a década de 1960, influenciada pelos movimentos anticoloniais e o contexto geopolítico da época, se aproxima do bloco socialista. O período também é marcado por um acirramento das tensões entre o chamado “mundo árabe” e a presença expansionista de Israel, outro reflexo dos acirramentos da Guerra Fria. Em 1970, as tensões no país aumentam ainda mais e Hafez Al-Assad assume o poder, se mantendo na presidência do país até o ano 2000, quando a presidência é  assumida pelo seu filho e atual presidente, Bashar Al-Assad.

Em 2011, a Síria entra em uma devastadora guerra, cuja complexa análise escapa o escopo deste texto. Porém, é importante ressaltar que tal conflito se insere em um contexto de maior acirramento do intervencionismo no chamado Oriente Médio por parte das potências ocidentais, notadamente os EUA, em um movimento que se inicia já na última década do século XX e que se intensifica no começo do século XXI, alimentado por protestos contra os regimes políticos vigentes que ocorreram em diversos países do Mundo Árabe. Tais conflitos levaram a uma profunda crise migratória mundial que ainda acontece e que possui graves reverberações políticas, econômicas, sociais e culturais em todo o mundo. Segundo Brasil (2017), desde 2011, mais de 3.851 sírios já solicitaram refúgio no Brasil, com 2.624 tendo sua condição de refugiado já reconhecida. Porém, como ressaltamos anteriormente, a presença da população síria nos fluxos migratórios no Brasil é histórica, podendo ser traçada pelo menos aos movimentos do final do século XIX e início do século XX. Sobre essa tradição de fluxos migratórios, Brasil comenta:

 

Entre os anos 1904 até 1907 entram no Brasil uma média de 1.304 imigrantes oriundos do Império Otomano. Em 1908 tem-se um salto nos registros, passando para 4.498, sendo que deste total, 1.328 já estavam registrados como nacionais da Síria. O ápice acontece em 1913, com o registro de entrada de 11.101 imigrantes. A partir de 1914 houve uma queda drástica na quantidade de imigrantes que ingressaram em território brasileiro, muito se deve a eclosão da Primeira Guerra Mundial e necessidade de fortalecimento do exército Otomano. Entre os anos de 1930 e 1940, o governo brasileiro adotou um sistema de quotas para a imigração, o que reduziu bastante a quantidade de imigrantes entrando em território nacional. Olhando apenas para a categoria “Sírio”, o ano de 1926 apresenta o maior número de entradas, com 3.369 imigrantes. (BRASIL, 2017, p.18)

 

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Uma das mais marcantes características das culturas sonoro-musicais sírias é a utilização de uma série de modos melódicos conhecidos como Maqam.  Dib (2009) aponta que “Maqam tem significado próximo ao da escala ocidental, mas vai além dela. Define também as relações entre as notas: quais devem ser enfatizadas, com que frequência e em qual ordem. Ou seja: define não apenas as notas, mas como tocá-las.” (p.229). A autora também comenta que o número de Maqam mais usados em todo o Mundo Árabe varia entre 30 e 40 modos diferentes. A improvisação e apropriação criativa  de determinado Maqam são  extremamente valorizadas dentro de tradições musicais como a Síria. 

 

Outro aspecto marcante da utilização do sistema Maqam é a capacidade das(os) musicistas utilizarem diferentes modos dentro de uma mesma música e/ou improviso. Tal capacidade/técnica é conhecida como Talwin:

 

A música modal, com seu caráter circular, permanece em um maqam por um tempo, circulando com suas notas dentro da tônica. Depois de algum tempo, estabelecido pelo músico, pode acontecer a troca por outro maqam, onde a música acontecerá por mais algum tempo, muitas vezes retornando por fim ao maqam original. É a chamada modulação (talwin), encadeamento de um maqam para outro compatível. Existem combinações bem estabelecidas de maqamat que são apreendidas pela audição e experiência. Em improvisações complexas, o músico pode modular seis ou mais vezes. (DIB, 2009, p.235)

 

A utilização do sistema de Maqam [VÍDEO 1] é quase onipresente dentro das tradições sonoro-musicais Sírias. Ele é utilizado em rituais religiosos como o Dhikir, “ritual de invocação de Deus (DIB, 2009, p.285), dos Sufi [VÍDEO 2], tradição dentro do islamismo, de gêneros/culturas musicais populares  como o Qudud Halabiyya [VÍDEO 3], tradição musical inicialmente composta como músicas religiosas mas que atualmente se secularizou e  trata de diversas temáticas. O sistema   também é empregado em tradições sonoro-musicais entendidas como eruditas dentro do mundo árabe como a  Wasla [VÍDEO 4].  Sobre tal tradição, Dib comenta:

 

A Wasla consiste em uma suíte, composta de música vocal e instrumental, e pode conter a combinação de diversos gêneros, desde que as tonalidades pertençam ao mesmo maqam. A música erudita árabe é concebida de forma que um ambiente  sonoro permaneça por um tempo, através do maqam, do ritmo ou da forma musical utilizada. Em seguida, é sugerido outro ambiente sonoro e assim por diante, como um passeio por diversos cômodos de um edifício. (DIB, 2009, p.286)

 

Para fechar essa viagem diaspórica, nosso último  vídeo,  onde interpretamos a canção “Mich Aam Tezbat Maii”, de Nassif Zeytoun [VÍDEO 5]!

 

Referências:

BRASIL, Emannuel de Nazareth. Migração Síria Contemporânea: Da partida a (Re)inserção. 2017. Monografia (Bacharelado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília.


DIB, Marcia Camasmie. A diversidade cultural da Síria através da música e da dança. 2009. Dissertação (Mestrado em Língua, Literatura e Cultura Árabe)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

 

​​​​Pedro Fadel

Bolsista PROATECl

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