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DIÁSPORAS: SENEGAL

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Nosso terceiro momento de investigação diaspórica se inicia não mais no nosso continente latino americano. Nos debruçamos agora sob a história e cultura dos povos do Senegal, país da costa ocidental africana.

   

Registros apontam que a história dos povos e do território que compõem o Senegal contemporâneo remonta ao século VII com a criação e dissolução de diversos reinos como os Takur e os Namandiru; o império Jolof  e os majestosos reino de Gana e Mali entre os séculos XIII e XIV.  Sobre os reinos de Gana e Mali, a historiadora Ynaê Lopes do Santos comenta:

O “país do ouro”. Foi dessa forma que o reino de Gana ficou conhecido no Oriente Médio, no norte da África e na Europa. Localizado ao sul do deserto do Saara, entre os rios Níger e Senegal (na atual Mauritânia), Gana foi um forte estado fundado no século IV pelo povo africano soninquê e que entrou em decadência no Século XIII. (SANTOS, 2017, p.67)

Fundado pelo povo malinquê no século XIII, o Império do Mali foi um dos estados africanos que ganharam muita notoriedade dentro e fora da áfrica durante o período chamado de Idade Média. Podemos pontuar três razões para isso: os feitos de seus imperadores, o domínio de uma vasta região e o controle de importantes minas de ouro. (SANTOS, 2017, p.72)

 

Essa rica história de desenvolvimento autônomo dos modos de produção da vida social de vários povos do continente africano sofre um duro golpe com os movimentos que se iniciam com a expansão colonial das potências europeias a partir do século XV e com o tráfico de seres humanos escravizados, que fornecia mão de obra para o desenvolvimento das economias escravistas no chamado “novo mundo”. Infelizmente, os povos do Senegal não passariam incólumes a tamanha violência.  

 

A primeira potência europeia a iniciar os movimentos de colonização dos povos e do atual território do Senegal foi Portugal, ainda em meados do século XV. Porém, é em 1677 com o avanço da França no mercado escravista e o aumento de suas pretensões colonialistas que o período colonial do Senegal começa a de fato se desenrolar. A desestruturalização que impulsiona a partilha colonial ganha um novo impulso no século XIX, com o início do período imperialista e com a transformação do modo de produção capitalista, agora em sua fase monopolista, que desemboca na partilha do continente africano. Mais uma vez recorremos aos comentários de Santos: 

A colonização efetiva do continente africano teve início nos últimos anos do século XIX, depois que a partilha do continente foi realizada pelas nações europeias. O primeiro período da colonização da África se estende entre os anos de 1885 e 1915,  quando a partilha do continente passa por nova reorganização devido às consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esse período é caracterizado por inúmeras ações violentas, pois as metrópoles europeias precisaram travar várias guerras de conquista para conseguir implementar o sistema colonial. (SANTOS, 2017, p.313)


 

De fato, o Senegal só se veria livre do jugo colonial francês, pelo menos no que se refere às instâncias formais de representação política, no ano de 1960 quando o país conquista sua independência, acompanhando a linha de movimentos de emancipação, revoltas e guerras anticoloniais que eclodem na África e no mundo com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), elegendo o poeta e escritor integrante do movimento artístico-literário da Negritude, Léopold Senghor  à presidência do país. 

 

Senghor, que ocuparia a presidência do país por 20 anos, ao contrário de outros membros do movimento da Negritude que também se envolveram com atividades políticas, o mais conhecido sendo o escritor da Martinica, Aimé Césaire e dos vários outros movimentos pela emancipação no continente africano, adotou no plano político-econômico durante o seu mandato uma postura social-liberal, muito alinhada aos interesses da antiga metrópole colonial francesa, mesmo que no plano  do desenvolvimento artístico-cultural o período Senghor tenha sido marcado pela valorização das manifestações culturais entendidas como senegalesas, africanas e afro-diaspóricas de um modo geral. Um marco desse movimento de valorização artístico-cultural foi a realização do Primeiro Festival Mundial da Arte Negra, realizado em 1966 Em Dakar, capital do Senegal, e que contou com a participação de figuras notáveis do Samba carioca, como Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Clementina de Jesus. Sobre as características de dependência sócio-econômica atrelada a uma independência política formal que caracterizou o movimento de emancipação do Senegal, o historiador Jones Manoel aponta: 

 

 

A maioria desses países da primeira fase da emancipação nacional, embora tenham conseguido conquistas importantes, que não podem ser desprezadas, - como o fim do colonialismo clássico, a construção de certo nível de infraestrutura e direitos sociais e econômicos aos trabalhadores, políticas de distribuição de terras (em sua maioria, tímidas), nacionalizações limitadas, etc. - acabaram vendo-se presos na armadilha do neocolonialismo. Conseguiram sim a independência formal, mas continuaram a ocupar o mesmo papel na divisão social do trabalho e ser um vetor de exportação de riquezas para suas antigas metrópoles ou até para novas, como os Estados Unidos. (MANOEL, 2019, p.53)


 

Essa contínua subordinação no que tange a divisão internacional e social do trabalho, alinhada a história de violência colonial/imperialista, compõe um dos motivos fundamentais para que  muitas e muitos Senegaleses procurem outros países para estabelecerem suas vidas, no período recente e um desses países tem sido justamente o Brasil. 

 

Segundo pesquisa de Roberto Rodolfo Georg Uebel (2016), a grande maioria de imigrantes Senegaleses no Brasil se concentra, ainda que de forma fragmentada, no estado do Rio Grande do Sul. Os imigrantes enfrentam uma complexa e arriscada rota migratória que passa pela Europa e outros países da América do Sul como Equador, Bolívia e Paraguai até chegarem no sul brasileiro. Aqui, os imigrantes enfrentam problemas como o onipresente racismo brasileiro, sendo muitas vezes “confundidos” com imigrantes de outras nacionalidades como os Haitianos, além de enfrentarem grandes dificuldades para se estabelecerem em postos de trabalho fixos, o  que leva grande parte da população imigrante  a recorrer ao comércio de bens ilegais, algo que segundo Urbel, é uma prática econômica  bem estabelecida no Senegal. 


Como estamos afirmando em nossos textos anteriores, as resistências às dificuldades, os preconceitos e violências enfrentadas por aqueles que embarcam nestes arriscados fluxos migratórios, se expressam em suas culturas musicais. No próximo texto vamos nos debruçar sobre culturas musicais como o Mbalax e  a grandiosa tradição dos Griots e das Griottes, contadores e contadoras de histórias, poetas e musicistas da África Ocidental que transmitem os saberes e as histórias de seu povo  (ALBUQUERQUE, 2020).

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A diversidade de povos, línguas e modos de vida  que constituem o Senegal contemporâneo, certamente se expressa através de suas culturas musicais. Povos como os Wolof, Pulaar e Seerer, além dos Mandingos e dos Tukulor possuem uma miríade de tradições e manifestações musicais. Muitas dessas culturas musicais são passadas através de gerações pelos contadores de histórias, poetas e musicistas conhecidos por grande parte da África Oriental como Griots. A pesquisadora Katharina Döring (2016) comenta que a tradição Griô é compartilhada por países como o Senegal, Gâmbia, Mali e Guinea, remontando ao século XIV e que ao longo de seu desenvolvimento também incorporou vários instrumentos característicos de outras tradições, como a Kora, um cordofone de 21 cordas que guarda semelhanças como a Harpa e com o Alaúde, e que até hoje é extremamente representativo da tradição Griot [VÍDEO 1]. 

 

Muitas vezes percebida como uma tradição quase que exclusivamente masculina, o jornalista GG Albuquerque (2020) aponta que o Senegal possui uma forte presença de Griots mulheres, como Yandé Codou Sène e  Aby Ngana Diop,  que através do canto e da performance de formas poético-musicais como o Tassu [VÍDEO 2], cantam, tocam e contam as histórias, vivências e experiências  do povo senegalês. 

 

Na segunda metade do século XX, em um processo que se intensifica com a independência senegalesa em 1960, os centros urbanos do país tornam-se  palco do surgimento de um novo gênero musical, o Mbalax, que reuniria influências da música afro-latina, principalmente afro-cubana, do jazz, das tradições musicais que há séculos se faziam presentes no território senegalês, graças, entre outros motivos, à tradição Griot e à influência de outros gêneros musicais urbanos que também vinham se desenvolvendo no continente africano, como o Highlife e o Jùjú, de Gana e Nigéria. 

 

Na década de 70, figuras como Youssou N’dour [VÍDEO 3] e Baaba Maal, levaram o Mbalax [VÍDEO 4] ao destaque internacional e atualmente o gênero continua mais pulsante do que nunca, reunindo influências que vão do Rock ao Rap, passando pela Música Eletrônica.

Com vocês, nosso ponto de chegada na investigação das culturas musicais Senegalêsas! N'dobine [VÍDEO 5], do cantor e compositor Youssou N'dour, uma das figuras-chave do gênero Mbalax.

Referências:

ALBUQUERQUE, GG. A música e o feminismo das mulheres griots da África. Disponível em: <http://volumemorto.com.br/tag/griottes/> Acesso em: 23/09/2020.

CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Claudio Willer. São Paulo: Editora Veneta, 2020.

DÖRING, Katharina. Mbalax- Música Popular no Senegal: Uma tradição moderna entre herança colonial e World Music. Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, Ano IX, N. XVII, Agosto, p.118-136, 2016.

MANOEL, Jones. A luta de classes pela memória: raça, classe e Revolução Africana In: LANDI, Gabriel; MANOEL, Jones (Orgs.). Revolução Africana: Antologia do pensamento marxista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.

SANTOS, Ynaê Lopes do. História da África e do Brasil afrodescendente. Pallas Editora, Rio de Janeiro, 2017.

UEBEL,  Roberto Rodolfo Georg. Panorama e perfil da imigração senegalesa no Rio Grande do Sul no início do século XXI. Boletim Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Setembro, n.28, p.56-77, 2016.

 

​​​​Pedro Fadel

Bolsista PROATEC

Sona Jobarteh - Mamamuso
06:45

Sona Jobarteh - Mamamuso

Artista: Sona Jobarteh - Música: Mamamuso - Álbum: Fasiya - Ano: 2011 Nascida em 1983 em Londres de um pai gambiano e mãe inglesa, Sona Jobarteh é a primeira mulher virtuosa Kora a vir de uma família Griot da África Ocidental. Rompendo com a tradição, ela é pioneira em uma antiga tradição hereditária dominada por homens que foi transmitida exclusivamente de pai para filho pelos últimos sete séculos. Sona é reconhecida por sua habilidade como instrumentista, voz distinta, melodias contagiantes e sua graça no palco. A Kora (uma harpa africana de 21 cordas) é um dos mais importantes instrumentos pertencentes aos povos Manding da África Ocidental (Gâmbia, Senegal, Mali, Guiné e Guiné-Bissau). Pertence exclusivamente a famílias griot (famílias musicais hereditárias), e somente aqueles que nascem em uma dessas famílias têm o direito de adotar o instrumento profissionalmente. Sona, que nasceu em uma das cinco principais famílias Griot, tornou-se a primeira mulher a adotar este instrumento profissionalmente em uma tradição masculina que remonta a mais de sete séculos. A família de Sona tem uma grande reputação pelos renomados mestres Kora, especialmente seu avô Amadu Bansang Jobarteh, que era um ícone na história cultural e musical de Gâmbia, e seu primo Toumani Diabaté, famoso por seu domínio do Kora. Sona e sua música têm a capacidade única de tocar o público de todas as origens e culturas. OBS: Show realizado na cidade de Weimar (Alemanha) a convite da Universidade de Música FRANZ LISZT Músicos: - Sona Jobarteh: Guitarra/Kora/Voz - Maurice Brown: Guitarra - Andi MClean: Baixo Elétrico - Mouhamadou Sarr: Djembe/Congas/Calabash http://www.sonajobarteh.com/ Artist: Sona Jobarteh - Music: Mamamuso - Album: Fasiya - Year: 2011 Born in 1983 in London to a Gambian father and English mother, Sona Jobarteh is the first female Kora virtuoso to come from a west African Griot family. Breaking away from tradition, she is a pioneer in an ancient male-dominated hereditary tradition that has been exclusively handed down from father to son for the past seven centuries. Sona is recognized for her skill as an instrumentalist, distinctive voice, infectious melodies and her grace onstage. #musicaafricana #africanmusic The Kora (a 21-stringed African harp) is one of the most important instruments belonging to the Manding peoples of West Africa (Gambia, Senegal, Mali, Guinea and Guinea-Bissau). It belongs exclusively to griot families (hereditary musical families), and only those who are born into one of these families have the right to take up the instrument professionally. Sona, who was born into one of the five principal Griot families, has become the first female to take up this instrument professionally in a male tradition that dates back over seven centuries. Sona's family carries a heavy reputation for renowned Kora masters, notably her grandfather Amadu Bansang Jobarteh who was an icon in Gambia’s cultural and musical history, and her cousin Toumani Diabaté who is renowned for his mastery of the Kora. Sona and her music has the unique ability to touch audiences from all backgrounds and cultures. OBS: Show performed in Weimar city (Germany) on invitation of the University of Music FRANZ LISZT Musicians: - Sona Jobarteh: Guitar/Kora/Voice - Maurice Brown: Guitar - Andi MClean: E-Bass - Mouhamadou Sarr: Djembe/Congas/Calabash
Taasu (tassou) Women Ritual poets of Senegal
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