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DIÁSPORAS: CUBA

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Foto da matéria Nos ritmos da música cubana do site terramundi.com.br

Nosso penúltimo ponto diaspórico de investigação  é  Cuba. Pequena ilha do Caribe que durante a segunda metade do século XX protagonizou uma das mais importantes revoluções da história mundial recente e há mais de 60 anos vem se provando como um exemplo de solidariedade, diversidade cultural e coragem para todos os povos em luta, não só latino-americanos mas de todo o globo.

 

A colonização do território cubano começa ainda no final do século XV quando em 1492, Cristóvão Colombo chega à ilha e reivindica o território para o Reino de Espanha. A expansão da presença espanhola se deu mediante o extermínio dos povos originários da ilha, como ocorre em todo o processo de colonização do chamado “novo mundo” e do período de acumulação originária de capital,  através da introdução do modo de produção escravista, que organizava toda a vida social na ilha e que era pautado fundamentalmente pela produção de açúcar. Tamanha era a centralidade do escravismo em Cuba que a abolição da escravidão se dá somente no ano de 1880, 8 anos antes da abolição brasileira e 18 anos antes da ilha caribenha conquistar sua independência da metrópole espanhola. Sobre o processo de independência cubano, o historiador Luis Fernando Ayerbe aponta que “Cuba foi a última colônia da América Latina a libertar-se da Espanha, em 1898, num processo que se alongou por um período de trinta anos, em que tiveram lugar duas guerras de independência.” (2004, p.21)

 

A primeira teve seu início em 1868 e foi frustrada em 1878 com a derrota dos setores mais radicais do movimento, liderados pelo general negro Antonio Macedo, que conduzia uma luta associando a independência cubana com a abolição da escravidão. A segunda guerra pela independência se dá entre os anos de 1895 e 1898 e foi marcada pela presença de lideranças que até hoje são centrais para a cultura e memória do povo cubano, como José Martí, e pela intervenção dos Estados Unidos da América, que já na segunda metade do século XIX se posicionava como liderança político-econômica de todo o continente americano, com claros interesses intervencionistas e imperialistas. Ayerbe diz: 

Como parte desse processo [grande expansão econômica dos EUA] há um crescente interesse pelo controle de acesso a matérias-primas e mercados na região do Caribe que, no caso de Cuba, já que seu status de colônia espanhola passa a incorporar novas relações de dependência econômica com os Estados Unidos. Os interesses comerciais norte-americanos estavam presentes no açúcar, minério de ferro, manganês, tabaco e nas ferrovias (Cockcroft, 2001). (AYERBE, 2004, p.22)

De fato, os Estados Unidos também entrar em guerra com a Espanha pela independência cubana em 1898 e no mesmo ano é assinado um armistício entre os dois países. Nesse momento, a potência imperialista toma controle do processo de negociação e instaura um governo provisório encabeçado pelo general John R. Brooke, que ficaria no poder até o ano de 1902, quando Tomás Estrada Palma é eleito o primeiro presidente do país (AYERBE, 2004 p. 24). As tropas estadunidenses deixariam a ilha no ano seguinte, instituindo a chamada “Emenda Platt”, que estabeleceria bases permanentes para as relações internacionais entre os dois países. 

 

O frágil e conturbado período republicano iniciado com a eleição de Tomás em 1902  termina bruscamente 50 anos depois, com o golpe militar liderado por Fulgêncio Batista e com apoio dos EUA. O governo autoritário encabeçado por Batista caçaria o mandato de inúmeros deputados cubanos, dentre eles Fidel Castro do deputado pelo Partido do Povo Cubano, também conhecido como Partido Ortodoxo. Anos mais tarde, Castro lideraria junto de figuras como Che Guevara e seu irmão, Raul Castro, o movimento revolucionário de guerrilha que derrubaria o governo de Batista em 1959. 

 

A crescente repressão autoritária promovida pelo governo de Batista levaria cada vez mais a certeza por parte de figuras como Fidel, que a consolidação de uma democracia efetiva em cuba passava, necessariamente, pela derrubada do governo ditatorial. Em 1953, liderando um movimento que já ganhava expressividade, Castro planeja a primeira ação revolucionária contra Batista, que ficou conhecida como o Assalto aos Quartéis de Moncada. A ação não é bem sucedida e Fidel é condenado a prisão. Sua defesa contra a condenação está documentada no texto A História me Absolverá, no qual Castro expõe o programa revolucionário de transformação social, política e econômica da ilha e as contradições de um país desigual cuja riqueza era produzida era voltada para os interesses de potências estrangeiras. 

Fidel é libertado através de um pedido de anistia em 1955 e parte para o México com o intuito de organizar um “grupo de combatentes com o objetivo de retornar a Cuba e promover uma nova ofensiva insurrecional” (AYERBE, 2004, p.34). em 1956, Castro parte em direção a Cuba contando com o apoio de 82 revolucionários. Todos faziam parte do Movimento de 26 de Julho, (M-26/07), cujo nome era uma homenagem a data do Assalto aos Quartéis de Moncada. Ao  desembarcarem nas praias da Ilha, os guerrilheiros entram em confronto com o exército de Batista e somente 12 dos 82 membros originais sobrevive, levando o grupo a adentrar a chamada Sierra Maestra e promover um movimento de guerrilha no campo e na floresta, aliando a crescente mobilização e recrutamento popular no campo e greves gerais nas cidades. Mais uma vez recorremos a Ayerbe:

Seu movimento [de Fidel Castro] busca suscitar uma rebelião popular contra o regime de Batista, com o objetivo de restaurar a normalidade institucional. A derrota impulsiona o grupo de insurrectos para uma reflexão mais profunda sobre as raízes socioeconômicas do sistema de dominação que impera no país, [...] Com o desembarque do Granma, em dezembro de 1956, dá-se início a uma nova fase opositora, no decorrer da qual vão sendo criadas as condições da revolução: crescente ativismo dos setores populares no campo e nas cidades, que já não aceitam pacificamente a deterioração das suas condições de vida; crise nos setores dominantes,  com a divisão nas bases de sustentação do regime; que se enfraquece politicamente ao mesmo tempo que se multiplicam suas derrotas no campo militar. Nesse momento, a rebelião contra Batista vem acompanhada de processos de transformação mais profundos, especialmente com as mudanças implementadas pela guerrilha nas áreas conquistadas, em que são adotadas as primeiras experiências de reforma agrária. São os passos iniciais de uma revolução social que assumirá um perfil mais nítido após a conquista do poder. (AYERBE, 2004, p.38)


 

A revolução liderada por Castro atinge seu ponto máximo em 1959, com a vitória do movimento, a derrubada do governo ditatorial de Batista e o início da instauração do governo popular e do socialismo na ilha. Cuba se apoiou na aproximação com o chamado Bloco Socialista, liderado pela antiga União Soviética. A consolidação do socialismo em Cuba colocaria a pequena ilha no centro da notória guerra entre as duas superpotências do século XX em escala global, Estados Unidos e União Soviética, e daria um impulso na luta anticolonial de povos mundo afora. É notável, por exemplo, a presença cubana nos movimentos de libertação no continente africano, como em Cabo Verde e Angola, o apoio que o povo cubano deu a luta contra o  regime de segregação racial, o Apartheid, na África do Sul, combate este  liderado pelo também revolucionário Nelson Mandela e várias outras lutas.

 

Entretanto, o momento pós revolucionário em Cuba não foi marcado somente por acontecimentos positivos. Ainda na década de 1960, como represália e forma de tentar controlar os acontecimentos na região, os Estados Unidos impõem um severo embargo econômico à ilha, que até hoje se mantém, causando sérios prejuízos ao desenvolvimento do país. Mesmo com o embargo, principalmente na época em que podia contar com o apoio do Bloco Socialista, conseguiu avanços fundamentais na luta contra o analfabetismo e na luta pela democratização da cultura e saúde. Segundo dados da UNESCO (2020), a pequena ilha foi capaz de universalizar o acesso à educação básica e zerar a taxa de analfabestimo em sua população. O sistema de saúde pública e universal em Cuba é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um “exemplo a ser seguido pelo resto do mundo” (2014). A organização aponta que: 

 

Cuba tem o maior número de médicos por mil habitantes do mundo: 7,519 (dado de 2014). O índice é quatro vezes maior do que o do Brasil: 1,852 (dado de 2013). Além disso, Cuba possui ampla experiência no envio de médicos a outros países para trabalhar em diversos setores de saúde, como atenção primária, cirurgias e atendimento de vítimas de desastres naturais. (OMS, 2014)


 

Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética e consequentemente do Bloco Socialista em 1989 e 1991 respectivamente, Cuba perde seu maior aliado político-econômico, entrando em uma forte crise que acarretaria em um grande movimento migratório, principalmente para Miami, nos Estados Unidos, devido a proximidade entre a cidade e a ilha. Entretanto, no início dos anos 2000, o país consegue estruturar sua economia, contando com a aliança entre países latino americanos, incluindo o Brasil. Atualmente, o maior fluxo migratório de cubanos não se dá pela fuga de condições adversas na ilha, mesmo que o embargo estadunidense continue sufocando seu desenvolvimento, mas sim através da atuação de milhares de médicos  que em um ato de solidariedade internacional atuam em vários países do mundo, levando a experiência e os conhecimentos da medicina cubana para aquelas e aqueles que mais necessitam. “Médicos, e não bombas” como uma vez proferiu Fidel Castro.

 

Como tem sido de praxe, em breve nos debruçaremos sobre algumas das ricas tradições e culturas musicais do povo cubano, como o Son, o Bolero, a música da Santeria e o culto aos Orixás, a música eletrônica em Cuba e muito mais!

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A vida, existência e os fluxos migratórios do povo cubano são permeados por uma miríade de culturas musicais. Essa pluralidade musical, ao longo do século XX, se tornou uma das características mais marcantes da cultura cubana. 

 

Um dos contextos em que a música se faz  com mais presença na vida social cubana e que guarda fortes semelhanças com o Brasil e o Haiti, é contexto religioso. Mais precisamente, o contexto dos rituais de Santeria e do culto aos Orixás. Um dos instrumentos fundamentais dentro da tradição da Santeria [VÍDEO 1], é o Batá, instrumento percussivo que, de um ponto de vista hierárquico, ocupa um papel análogo aos atabaques utilizados no Candomblé brasileiro.

 

Tendo em mente a centralidade que as práticas musicais possuem nos contextos religiosos em Cuba, os fluxos migratórios e as transformações culturais e materiais na ilha ao longo de sua história gestaram uma pluralidade de gêneros e culturas musicais que poderiam ser consideradas como sendo  “populares”, no sentido de não propriamente religiosas; mesmo que, como aponta o antropólogo José Jorge de Carvalho, exista um forte intercâmbio entre as esferas “religiosa” e “profana” no contexto cultural-musical cubano. A Rumba [VÍDEO 2] e o Son [VÍDEO 3] são algumas dessas culturas populares que se desenvolveram em contextos não-religiosos em Cuba. Aqui cabe um destaque ao Son, entendido por muitos(as) musicistas cubanos como o gênero “característico” da identidade nacional. Com o desenvolvimento da indústria fonográfica, a expansão político-econômica dos Estados Unidos e sua política de boa vizinhança, o Son se expande pela América Latina, gestando gêneros como a Salsa. Outra cultura musical cubana que sofreu forte impacto transformativo do advento da indústria fonográfica-cultural e se expandiu mundo afora, foi o Bolero [VÍDEO 4]. Uma das figuras da música mais reverenciadas até os dias atuais é Benny Moré, considerado por muitos como o maior intérprete do Bolero Cubano.

 

Com a vitória da revolução, para além do maior apoio, destaque e valorização das culturas musicais que já existiam em Cuba, tratadas muitas vezes como “tradicionais”, a Ilha também viu o crescimento de várias outras culturas musicais que, atualmente, possuem forte relevância no seu panorama musical-cultural. É o caso, por exemplo, da música eletrônica cubana [VÍDEO 5], que há décadas vem cada vez mais explorando novas sonoridades e possibilidades. 

Para finalizar, confira nossa versão de “Coco Mai Mai” [VÍDEO 6], Son interpretado originalmente pelo Septeto Nacional!

 

Referências:

AYERBE, Luis Fernandes:  A Revolução Cubana. São Paulo. Editora UNESP, 2004

Folha formativa, programa mais médicos. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5662:folha-informativa-programa-mais-medicos&Itemid=347. Acesso em: 28/10/2020

 

Cuba, Unesco. Disponível em: https://en.unesco.org/countries/cuba. Acesso em: 28/10/2020

 

​​​​Pedro Fadel

Bolsista PROATECl

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